A hemodiálise (HD) é um dos maiores avanços da medicina. Os rins são os únicos órgãos nobres que podem ser substituídos, ainda que não perfeitamente, por uma máquina. Se você tem uma falência do coração, do cérebro, dos pulmões, do fígado, etc. e não se submeter a um transplante de órgãos, o seu destino será impreterivelmente a morte. Se seu rim entrar em falência, você passará a fazer diálise e ainda poderá viver e ser produtivo por muitos anos.

Agora, é agradável fazer diálise? Com certeza não. Mas o tratamento tem que ser encarado como uma oportunidade de vida em uma doença que há poucas décadas era fatal. Hoje as pessoas dialisam e levam uma vida próxima do normal, podem sair, trabalhar, ir ao cinema, viajar, praticar exercícios, jantar fora etc.

90% dos pacientes em hemodiálise afirmam que o método não é tão ruim quanto imaginavam. Alguns inclusive nem se interessam por entrar na fila do transplante de tão bem adaptados que ficam.

A diálise parece complexa, mas é extremamente simples. Aprendemos diálise no colégio, mas ninguém conta isso para a gente. Vamos recordar as aulas de biologia, quando aprendemos o conceito de osmose, difusão e transporte passivo. Tá difícil lembrar? Então, vamos ajudá-lo.

COMO FUNCIONA A HEMODIÁLISE?
Toda vez que dois líquidos com concentrações diferentes são separados por uma membrana permeável (ou seja, contenha poros), a tendência é que elas se equilibrem. Após algum tempo, a concentração da substância fica igual dos dois lados. Isto só ocorre se as moléculas da suposta substância forem menores que os poros da membrana. Pense na membrana como uma esponja fina.

Reparem no desenho abaixo. São dois líquidos separados por uma membrana com poro de um fictício tamanho 3. De um lado temos três moléculas de tamanhos diferentes. A vermelha que é maior que o poro (tamanho 4), a amarela que é um pouco menor (tamanho 2,5), e a azul que é bem menor (tamanho 1)

A molécula azul passa facilmente entre os poros e rapidamente entra em equilíbrio. A amarela por ser apenas pouco menor que o poro, demora um pouco mais, mas acaba por equilibrar-se. Já a vermelha é maior que o poro, e não importa quanto tempo demore, ela nunca irá se equilibrar.
Se você entendeu esse conceito, você já entendeu como funciona a diálise.
Existe a hemodiálise, que é feita pelo sangue com um filtro artificial, e a diálise peritoneal, que usa o peritônio, uma membrana que envolve os órgãos abdominais como filtro.

Vou me ater só a hemodiálise neste texto.

Então como funciona a hemodiálise? Veja o gráfico.

O paciente insuficiente renal é ligado à uma máquina que puxa seu sangue através de uma bomba circuladora. Esse sangue passa por um filtro que possui uma membrana semipermeável, que retira as toxinas e as substâncias em excesso, e devolve o sangue limpo para o paciente. Existe infusão de heparina para evitar que o sangue coagule dentro do sistema.

Reparem no filtro abaixo. No centro fica o sangue cheio de toxinas e em volta o líquido da diálise (chamado de banho de diálise) sem nenhuma toxina. Eles ficam separados por uma membrana porosa que permite a troca de moléculas. O sangue rico em toxinas, através da membrana do filtro, passa estas substâncias para o banho de diálise que não contém toxina nenhuma.

Se este fosse um processo estático, depois de um tempo aquele sangue em contato com o banho se equilibrariam e não haveria mais trocas. Mas o processo é dinâmico, com o sangue correndo em direção contrária ao banho. Como eles estão em circulação, a diferença de concentração é sempre grande, e não ocorre equilíbrio nunca, pois há sempre sangue saturado de toxinas chegando de um lado e líquido de diálise limpo chegando do outro. Após as trocas, o sangue limpo retorna ao paciente e o banho cheio de toxinas é desprezado.

Do mesmo modo que ocorreu no primeiro gráfico, moléculas pequenas passam rapidamente de pelo filtro, as médias demoram algumas horas e as grandes não são filtradas. O poro da membrana tem que ter um tamanho que consiga filtrar a maioria das toxinas, mas também impeça a filtração de moléculas importantes como as proteínas e vitaminas, que costumam ser grandes. Infelizmente não existe dialisador perfeito, e para evitar essas perdas, algumas substâncias tóxicas de grande tamanho acabam não sendo dialisadas.

Do mesmo modo que o excesso de algumas substâncias são filtradas, o excesso de água acumulado pela falta de urina também é retirado durante uma sessão de HD.

COMO SE RETIRA O SANGUE PARA HEMODIÁLISE?
Um dos inconvenientes da HD é a necessidade de se puncionar um vaso para puxar e outro para devolver o sangue. A simples punção de uma veia comum não funciona por dois motivos: o primeiro é o baixo fluxo e pressão de sangue das veias periféricas; o segundo é porque as veias superficiais apresentam paredes mais frágeis e depois de várias punções repetidas ficariam inutilizáveis.

As artérias possuem fluxo e pressão elevadas, além de uma parede mais forte. Porém, elas são profundas e de difícil punção.

A solução para esse problema veio através da construção das fístulas artério-venosas. Pacientes em diálise são submetidos a uma pequena cirurgia vascular onde se liga uma artéria a uma veia, criando um vaso periférico, com alto fluxo e mais resistente a punções repetidas.

  • Fístula arteriovenosa para Hemodiálise

A veia quando passa a receber o alto fluxo da artéria, começa a se desenvolver, crescendo e engrossando sua parede. Com o tempo a fístula adquire o aspecto mostrado na foto ao lado. Trata-se de um grande vaso bem visível, com alto fluxo e pressão de sangue e facilmente puncionável.
O problema da fístula é que esta precisa de pelo menos um mês para se tornar apta à punção pelas grossas agulhas da hemodiálise. Nem todos os pacientes podem esperar por este intervalo para começar a dialisar. Neste caso, lança-se mão do cateter de hemodiálise. Este cateter é introduzido geralmente na veia jugular interna, localizada no pescoço, que prolonga-se até a veia cava, próximo à entrada do coração. É um procedimento de 30 minutos e o paciente pode seguir imediatamente para hemodiálise.

  • Cateter venoso central na veia jugular
  • Cateter venoso central para hemodiálise

Repare na foto acima que uma extremidade do cateter fica para fora e a outra dentro da veia cava, próximo ao coração. A parte externa do cateter venoso central para hemodiálise possui duas vias, uma para levar o sangue até a máquina de hemodiálise e outra para devolvê-lo. Enquanto a fístula não estiver pronta, o paciente dialisa pelo cateter.

Então por que não utilizar o cateter sempre? Apesar de já existirem cateteres de longa duração, que podem permanecer por alguns meses, eventualmente todos eles serão infectados por bactérias residentes na nossa pele. Através do cateter essas bactérias conseguem acesso a nossa circulação sanguínea podendo levar a um quadro grave de sepse. O cateter também não consegue fluxos de sangue bons, não proporcionando uma hemodiálise tão eficiente quanto a fístula.
Portanto, o cateter de hemodiálise é uma solução provisória e deve ser sempre substituído pela fístula o mais rápido possível. Quando não é possível estabelecer uma fístula a curto prazo, a preferência deve ser sempre pelo cateter tunelizado de longa duração. Atualmente os cateteres temporários de curta duração só devem ser usados em casos urgentes. Qualquer doente com previsão de permanecer em hemodiálise por mais de 15 dias deve ter seu cateter provisório substituído por um de longa duração, para reduzir o risco de infecção do cateter.

Fonte: MD.Saúde